Salvar o clima implica desistir de um terço do petróleo e 80% do carvão

Estudo apresenta contas detalhadas das reservas de combustíveis fósseis que não podem ser utilizadas, de modo a conter o aumento da temperatura global a dois graus Celsius até 2100.

Ordem para conter o termómetro global: deixar os combustíveis fósseis no subsolo KAREN BLEIER/AFPUm terço do petróleo, metade do gás e mais de 80% do carvão existentes nas reservas a nível global têm de ser deixados no subsolo, inexplorados, se o mundo quiser travar o aquecimento do planeta, segundo um estudo científico publicado esta quinta-feira na revista Nature. Realizado por dois investigadores da University College de Londres, o estudo reforça a ideia, que já vem sendo discutida há alguns anos, de que as empresas e os investidores devem olhar com cuidado para as reservas de combustíveis fósseis como activos financeiros.

 

Não é a primeira vez que se fazem cálculos de quanto petróleo, gás e carvão é possível queimar. Mas os cientistas Christophe McGlade e Paul Ekins apresentam uma análise muito mais detalhada, mostrando o que o pode acontecer à produção de combustíveis fósseis nas diversas regiões do mundo.

As contas globais são relativamente simples. Resultam da diferença entre a quantidade de gases com efeito de estufa que seria libertada se todas as reservas de combustíveis fósseis fossem utilizadas e o máximo que se pode ainda lançar para atmosfera para que a temperatura da Terra não suba acima de dois graus Celsius até ao final do século.

Nas contas do IPCC – o painel científico da ONU para as alterações climáticas – o “orçamento de carbono” que ainda temos para gastar está entre 0,87 e 1,24 biliões de toneladas de dióxido de carbono (CO2). O estudo na Natureassume um valor intermediário: 1,1 biliões.

Mas as reservas de petróleo, gás e carvão representam 2,9 biliões de toneladas. Se a elas for adicionada a quantidade de combustíveis fósseis que se julga existir no subsolo mas cuja exploração por ora não é economicamente viável, então o número disparar para 11 biliões.

Considerando apenas as reservas exploráveis, o que os investigadores mostram é que uma boa parte não pode ser de facto explorada. No Médio Oriente, onde estão três quintos das reservas mundiais de petróleo, cerca de 38% deveriam ficar onde estão, debaixo da terra. É na mesma região que se concentra quase metade das reservas de gás natural. Segundo os investigadores, 61% não poderão ser explorados.

Para o carvão – o combustível fóssil mais poluente e com mais emissões de CO2 – a situação é potencialmente ainda mais crítica. Nos Estados Unidos, detentores das maiores reservas, 95% estão comprometidas.

A nível global, o mundo não pode contar com 35% das reservas de petróleo, 52% de gás natural e 88% de carvão. Mesmo com a disseminação das tecnologias de captura e armazenamento de carbono – ou seja, recolher o CO2 das chaminés e enterrá-lo no subsolo –, o panorama não se altera muito. Os números ficam em 33%, 49% e 82%.

“Os nossos resultados mostram que o instinto dos decisores políticos de se explorar rápida e completamente os combustíveis fósseis dos seus territórios é, no geral, inconsistente com os seus compromissos para limitar o aumento da temperatura”, concluem os investigadores.

Também incompatível com a meta dos dois graus Celsius, segundo os autores, é a exploração de petróleo no Árctico e a produção não-convencional de combustíveis fósseis – através sobretudo da técnica de fracturação hidráulica (fracking). Ambas são questões polémicas, combatidas arduamente por organizações não-governamentais locais e internacionais. Mas a segunda delas não só já está em marcha, como está a provocar uma autêntica revolução no mercado dos combustíveis fósseis. O fracking promete transformar a curto prazo os Estados Unidos no maior produtor mundial de petróleo e está a empurrar os preços do carvão para baixo no mercado internacional.

O estudo agora publicado adiciona argumentos a campanhas já existentes para desviar os investimentos dos combustíveis fósseis em favor de alternativas mais sustentáveis. Organizações como a britânica Carbon Tracker têm advogado a existência de uma “bolha carbónica”, que irá rebentar quando as políticas internacionais forçarem os países a reduzirem drasticamente as suas emissões de CO2. Daí que se fale de activos “imobilizáveis”, ou seja, de reservas que nunca poderão ser usadas e por isso não podem ser consideradas como fonte de rendimento no futuro.

Para James Leaton, director da Carbon Tracker, o estudo “é uma advertência para o facto de as companhias terem de justificar gastos de capital em projectos de elevado custo, dado o caminho claro em direcção a uma economia de baixo carbono”.

A preocupação já chegou a algumas instituições financeiras e fundos de investimento, alguns dos quais figuram entre as 181 entidades que já se comprometeram a desinvestir nos combustíveis fósseis. Entre elas está oRockfeller Brothers Fund, que em Setembro anunciou um processo para materializar esta intenção.

Author: R. Pereira

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